Apresentação – Marta Porto

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“Será possível ser fiel as suas lembranças sem se deixar esmorecer pelas dores que elas representam? Em uma entrevista seminal, o dramaturgo espanhol Juan Mayorga, nos fala que toda a experiência poética nasce da observação do particular para então se tornar universal. E o universal, para ele, é a fragilidade humana.

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Marta Porto

Em O vento que varre a casa, Marcia Matos mergulha no limite da fragilidade humana a partir de cinco estórias vividas por sua família. Todas atravessadas por uma dor comum: a impossibilidade de continuar acreditando na vida. Nas três primeiras estórias, o suicídio surge como ato que derrota o amor contido na vida de cada personagem, seus laços familiares e a relação com a terra e a natureza. A brutalidade do ato interrompe um diário íntimo em que muitas vidas e esperanças se entrelaçam. Nas últimas estórias, a autora é a personagem principal dos seus poemas, e o suicídio aparece não mais como ato consumado, mas como sugestão, como sombra a invadir os sonhos e a conciliação possível com a vida do dia a dia, presente como carne exposta nas lembranças de uma família. Lembranças que criam que os teóricos da literatura chamam de “o efeito do real”, o uso de uma série de dispositivos ficcionais a partir de dados e documentos que aludem à realidade para criar uma figura literária pujante. Uma índia levada à corda para uma vida marital forçada que dá à luz seis filhos em uma casa de tapera. O filho mais velho, com oito anos acorda em uma plantação de tomates, após assistir ao trágico fim da mãe. Um jovem casal apaixonado que constrói por dez anos uma casa para acolher seus sonhos de uma vida comum, encontra-se diante da impossibilidade de viver este amor após uma escolha desesperada de uma das partes. Um rapaz, pai aos 17 anos e já com seis filhos nascidos, não suportando a rotina de uma vida de família prematura, age duplamente de forma violenta. Uma mãe e uma filha, ligadas por silêncios e choros, amalgamam uma atmosfera de “dor em suspensão”, na qual o sentimento de tragédia as acompanha na vida vivida de todos os dias. Em comum a todos esses personagens, há um vínculo familiar que parece dar uma identidade no qual o amor, a mola propulsora de todas as histórias, é sempre interrompido por uma escolha de morte. Os poemas evocam permanentemente esta mente de luto, mas nos levam a viajar pela frugalidade da qual nasce essa mente, construída na rotina permeada pela natureza das pequenas escolhas. Do particular, ou desse “olhar das coisas pequenas”, surge uma poesia de uma sensibilidade exacerbada, em que a vida é expressa com as nuances que ela requer, ora delicada, ora brutal. No contraste entre o ato trágico que põe fim à vida e a impossibilidade dos poemas de expressarem à perfeição este estado de alma, reside a força da poesia de Marcia Matos, a angústia honesta e intensa de quem busca renovar suas esperanças nos pequenos esconderijos da vida rotineira. “A esperança sempre deixa/ migalhas para a fome da gente”, poetiza a autora. Essa angústia que busca a vida em cada detalhe, na brisa no rosto, na terra quente recém-semeada, na água do rio, na natureza que acolhe e repele e também nas duras ruas das cidades onde hoje se vive, é a fonte de inspiração poética desta artista que ganha intensidade e força poética quando seu corpo é o veículo dramatúrgico do soneto que declama com paixão e sede de amar. A poesia, então, é expiação, redenção de uma possibilidade da morte por meio de um grito pela coragem de viver em estado permanente de busca: “Depois de desistir, tudo é mais leve/ O recomeço, sempre possível/ E só inicio depois que desisto”. Aí reside a experiência poética de Marcia Matos, na tentativa de conciliar a fragilidade inerente ao ser poético com a necessidade de sobreviver e viver a realidade pueril a qual todos nós estamos condenados.”                                                                                                                                                                                                                                        Marta Porto

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